Sobre vencer na vida - Víctor Graecus

3/31/2024

Sobre vencer na vida

Vivemos sob a lógica de estarmos jogando algo que nunca tem fim. Esse comportamento, acredito eu, se reflete de várias formas:


  • Vemos pessoas conquistando coisas como se fossem fases ou níveis: terminei a faculdade, comprei um carro, comprei uma casa, casei.
  • Escutamos frases como "fulaninho venceu na vida". Esse vencer na vida pode ser a mensagem de um filme que romantiza o sofrimento como "À procura da felicidade", pode ser viver cercado de amor (sendo um senhor de 60 anos com os pais, os filhos e os netos todos vivos em uma cidade como Veranópolis), ou ainda abrir uma empresa multimilionária e criar um império moderno.
  • Pensamos no objetivo maior durante uma semana difícil. E esse objetivo é o projeto, a ideologia, o sonho a ser conquistado, etc.

Mas na prática a vida realmente é um grande jogo? Pior de tudo: é realmente um jogo infinito onde nem possível vencer ou perder?


Foram 25 horas de viagem entre minha saída de Cochabamba e a chegada já pela noite em Iquique. Não sei bem o que me deu na cabeça de atravessar o deserto sozinho e de ônibus sem ter muita certeza de como voltaria para casa, mas havia alguma coisa me chamando. Eu cheguei no Chile sem dinheiro suficiente para sobreviver mais do que dois dias, com meus cartões bloqueados e em meio à semana com mais trabalho no ano. Eis que um dia eu decido ir em um café próximo ao hostel para conhecer a cidade.


O café em questão ficava no vigésimo e tanto andar do prédio de uma mineradora que atuava no meio do Atacama. Era um daqueles prédios chiques onde eu claramente era a pessoa com menor poder aquisitivo ali. O ambiente ficava em um rooftop bonito, se vendia além dos cafés, também alguns drinques e petiscos. Quando cheguei o sol já estava se pondo e as pessoas começavam a chegar para seus happy hours.


Pedi meu cappuccino de sempre e aguardei, fazendo vídeos e observando a vista do local. Iquique é simplesmente um oásis no meio do deserto impressionante, e eu estava me deleitando.


Eis que eu me dei conta de onde estava, e finalmente caiu a ficha de o que eu tinha passado nos últimos dias. Sozinho, um garoto que cresceu na COHAB Santa Rita cruzou a fronteira da Bolívia com o Chile, atravessou o Atacama e estava conhecendo o Oceano Pacífico. Com meu próprio dinheiro. Com meu próprio esforço.


Mas eu não senti que venci.


Naquele momento eu não tinha um objetivo maior além de viver essa experiência diferente. Não era um jogo e sinceramente ninguém se importava com como ou porquê eu estava ali.


A vida estava boa demais para se preocupar em vencer. E a verdade é que diante do café que chegou e do pôr do sol no Pacífico nada mais importava.

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